06 novembro 2006

Pagar mais para quê? (1)


Espero que os utentes da ponte Vasco da Gama não sejam forçados, em breve, a financiar mais a obscura fundação das salinas do Samouco.
Até porque já suportam aumentos anuais absurdos e inexplicáveis do valor das portagens – o deste ano excedeu em mais do dobro a inflação estimada, sem que ninguém se dignasse justificá-lo – sendo injusto e inadmissível exigir-lhes mais sacrifícios para financiar um logro denominado Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco.
Entidade que, até à data, pouco mais demonstra que incontrolável tendência para estar paralisada ou realizar obras de fachada, como aqueles casebres e o aeromotor que jazem a apodrecer à beira da estrada Alcochete-Samouco.
Uma instituição cujas actividades passadas, presentes e futuras até em Alcochete se desconhecem, embora aqui tenha actividade exclusiva e sede social.
Distingue-se sobretudo por ter como presidente (vitalício?) um ecologista incómodo ao "guterrismo" que, estranhamente, sobreviveu também aos três governos posteriores, com boa aceitação junto de alguns ignorantes ou ingénuos estagiários de jornalismo que, ciclicamente, se dispõem a ampliar-lhe declarações inconsequentes, críticas vãs a órgãos do Estado, alertas de bancarrota e ameaças de encerramento.
Até hoje, contudo, nenhum jornalista demonstrou o menor interesse em esclarecer inúmeras coisas ambientalmente muito relevantes.
Por exemplo, como é gerida e auditada a actividade dessa fundação e como se aplicaram elevadas verbas recebidas do Estado e da concessionária da ponte.
Inclusive, se cumpre os compromissos assumidos pelo Estado com a União Europeia, no âmbito da construção da ponte Vasco da Gama e a título de compensação por eventuais danos de natureza ambiental causados por essa travessia.

Aguardo com expectativa a reacção dos autarcas de Alcochete, que presumo conhecerem matéria relacionada com o assunto focado nesta notícia, porque lhes escuto, há anos, críticas objectivas à forma como essa fundação desconhecida e opaca funciona.
Uma vez mais exemplifico, recordando que, até ao início de 2003, entre fundos do Estado e contribuições da Lusoponte foram gastos 1.450.000€ na fundação das salinas do Samouco.
São mais de 290.000 contos na moeda antiga, verba idêntica à do custo estimado da nova biblioteca pública de Alcochete.

Entretanto, desde 2003 que nada se sabe acerca dos gastos da fundação.
Recordo que, a 11 de Fevereiro de 2004, o então chefe da edilidade levou a sessão de câmara um documento no qual está escrito que, "na realidade, as marinhas da fundação estão abandonadas".
Nessa sessão os vereadores da CDU foram severos nas críticas ao processo de criação da fundação, aos motivos que determinaram a escolha do seu presidente e à sua gestão.
Miguel Boieiro (à data vereador da então oposição) recordava que a fundação foi um "prémio" do executivo de António Guterres a um dirigente da delegação de Setúbal de uma associação ambientalista, pela sua "coragem" na defesa da instalação de uma incineradora de resíduos industriais na zona da Arrábida.

Ainda segundo o agora presidente da Assembleia Municipal de Alcochete, no início de 2004 as salinas eram "uma vergonha para o país e para o município", estavam "numa situação escandalosa" e nada funcionava.
Nessa mesma sessão do executivo camarário, uma então vereadora substituta e hoje chefe de gabinete do presidente da autarquia lançava também algumas interrogações: "que faz a fundação? Que tem a ver connosco? Aquele espaço era nosso, da população de Alcochete. De repente, divide-se e cria-se uma área abandonada. Ninguém presta contas à população do que ali se passa. Não escutam ninguém nem pedem opiniões. A fundação tem de envolver as pessoas da terra, não voltar-lhes as costas. Que é feito dos subsídios recebidos, se nem sequer mantiveram os muros de acesso?"
Pergunto: que mudou desde há dois anos e meio?
Tanto quanto me apercebo, se algo mudou foi para pior.
Seremos obrigados a pagar mais para este filme?


(continua)

1 comentário:

Anónimo disse...

O aparente reposicionamento dos autarcas da CDU sobre esta quesyão mais não é do que a evidência de que já padecem com gravidade de um dos piores males que afecta a «classe» política em geral que sai da oposição para o poder. Chamo-lhe o síndrome da «ilusão do espelho» . Passo a explicar. No mandato autárquico em que foram oposição , os autarcas da CDU quando se olhavam para o espelho admitiam que a imagem que estavam a ver era exacta. Agora , no poder , olham para o espelho e continuam a crer que a imagem que vêem é exacta. Tamanha ilusão é terrível... Quanto a esta mutação na Opinião dos autarcas da CDU sobre esta questão da Fundação não resisto em subscrever Hannah Arendt ( recomendo vivamente a «Verdade e Política» desta autora). O contrário da verdade é a simples opinião. A volatibilidade das opiniões sobre os assuntos humanos é um reflexo da mudança constante de quem as emite. Nessa medida a opinião surge como uma mera ilusão ( tal como a ilusória identidade da imagem dos autarcas da CDU antes e depois de estarem no poder). É a constante degradação da opinião que potencia o conflito e a discussão política. Sendo assim é a opinião e não a verdade que se constitui como base indispensável da politíca da CDU na Câmara Municipal de Alcochete.

Luis Proença